Essa crônica foi publicada no site www.paraibaonline.com.br em junho de 2011. Como não se encontra mais disponível na internet devido a reformulação do layout da página do site, republico-a aqui, comunicando que coloquei em prática a ideia de distribuir livros infantis desde a data da primeira publicação até os dias atuais e não pretendo parar.
O menino e a chuva
Choveu durante todo o dia. Água descendo das
nuvens, molhando impiedosamente os telhados das casas, os edifícios, os
animais, as pessoas que passam nas ruas, algumas cobertas com seus
guarda-chuvas, outras desprotegidas, tentando em vão cobrir-se com uma revista,
um jornal ou mesmo um saco plástico. Algumas correm tentando livrar-se do que
certamente é inevitável, ficarem molhadas. Há ainda aquelas que não se
incomodam, que caminham devagar sob a chuva como se aproveitassem cada gota que
cai em seus corpos até que, encharcados, passam a, também, verterem água, que
corre até o chão.
Paro o carro num sinal. Aproxima-se um garoto
de aparentes dez anos, a pedir-me uma moeda, enquanto olha para o interior do
veículo com curiosidade, talvez esperando ver algo que lhe interessasse e
pudesse pedir-me. Está todo molhado, não aparenta sentir frio, imagino o quanto
já se acostumou àquela situação lastimosa.
Ele cola o rosto na janela, a chuva fina
caindo sobre seu corpo e eu vejo em seus olhos o calor que ele resguarda na
alma. Baixo um pouco o vidro, passo-lhe duas moedas, ele olha e guarda no bolso
do calção. Pergunto se estuda, ele me olha desconfiado e diz que sim, estuda de
manhã, e vai se afastando para abordar outro motorista enquanto o sinal não
abre.
Fico olhando-o pelo retrovisor. A mesma
atitude curiosa, os mesmos olhos pidões, a mesma indiferença à chuva e ao frio.
Desta vez não teve sucesso, não ganhou nada. O sinal abriu e ele correu para o
meio-fio, batendo a mão no bolso cheio de moedas e sorri, provocando outro
menino ainda menor que ele.
Alguém buzina atrás de mim porque eu ainda
estava parada, olhando o garoto e não percebi que o sinal estava verde. Segui
em frente mas meu pensamento ficou lá atrás, com aquele menino molhado e aparentemente
indiferente à própria indiferença da sorte, que não se abala com a chuva e o
frio, que construiu uma carapaça em volta da alma para protegê-lo das
intempéries da vida, o que o torna malandro, esperto, oportunista mas que não
consegue afastar a sua imagem de criança.
Penso onde estaria aquele menino se suas
oportunidades tivessem sido outras. Penso no quanto fazemos por nossos filhos
para que aproveitem a vida e em que eles diferem daquele garoto? Na essência
são bem parecidos mas a maneira como circunstancialmente foram apresentados à
vida foi decisiva.
Isso onera ainda mais a minha
responsabilidade social. Não basta dar uma moeda. É preciso dar alento e
existem muitas maneiras de se fazer isso. Da próxima vez que encontrá-lo, junto
com a moeda vou dar-lhe um livro infantil. Não sei se será bem recebido mas sei
que ele não ficará indiferente. Quem sabe o livro não fura aquela couraça e lhe
traz um arrepio de prazer? Vou pagar pra ver, afinal, nunca saberei se não o
fizer.
OLA Mabel, gostei muito do relato e sobretudo da idéia! Podemos espalhar e praticar, vamos semeando e cada terreno vai responder em esperanças e quem sabe couraças se rompem?
ResponderExcluirObrigada por republicar!
Oi Ceci, que maravilha se muitos replicarem isso. Já pensou quantas crianças ganhando livrinhos? Algumas serão tocadas, outras não mas a nós cabe semear e, se puder, cuidar também. Grata pelas palavras. Um beijo!
ResponderExcluirMuito bom! Linda sensibilidade. Assim como a Ceci, gostei da ideia e estarei pondo em prática o mais rápido possível.
ResponderExcluirMaravilha, Bruno. Vamos distribuir cores e fantasia por aí! Bjo.
ExcluirAdorei meu Bem!
ResponderExcluirContinue neste sentido e vamos também planejar outras ações para aliviar um pouco a vida de nossos irmãos!